terça-feira, 1 de abril de 2008

ARTIGO - "O status moral do embrião humano"

José Geraldo de Freitas Drumond

O progresso científico é responsável por uma das mais graves realidades de nossa época: a de que o homem penetrou, definitivamente, nos insondáveis mistérios da vida e da morte, por meio de procedimentos tecnológicos que alcançaram a prática cotidiana, sem que houvesse uma precedente e adequada reflexão moral.

Nos dias atuais, em que prevalecem sociedades pluralistas, princípios e valores morais variam em razão de distintas culturas, através dos chamados “estranhos morais”, designação cunhada pelo filósofo norte-americano Tristram Engelhardt Jr. Soma-se a isso o impacto propiciado pela tecnociência, ocasionando mudanças significativas no conceito de diversos processos biológicos, notadamente aqueles que caracterizam os extremos da vida biológica, ou seja, o nascer e o morrer humanos.

Nessas situações perpassam a definição de início da vida humana e o conceito de pessoa, sujeito moral e detentor de direitos. Para Fernando Lolas Stepke, Diretor do Programa Regional de Bioética da Organização Pan-Americana de Saúde no Chile, “o momento em que se inicia realmente o ser humano pareceria ser matéria técnica, mas, todavia, esta não é uma pergunta respondível só com argumentos técnicos. É mais. Os argumentos chamados técnicos tendem a ser petrificados em dogmas ou cumprir a função de apoiar doutrinas”.

Esta questão se converge, pois, para a definição do status moral do embrião humano. Ludger Honnefelder, filósofo e Professor Emérito da Universidade de Bonn, Alemanha, assevera que o ser humano possui um valor absoluto, de acordo com a interpretação axiológico-metafísica, e o mesmo se dá com o ser humano ainda não nascido. Para Immanuel Kant, toda pessoa humana é titular de uma dignidade própria, que significa um bem incomparável a outros bens porque possui não um valor relativo que pode ser equiparado a outros, senão um valor intrínseco.

O ser humano é detentor de um patrimônio moral e legal, ou seja, um agente moral que determina o seu destino; aquele que, no entender de Kant, é um fim em si mesmo. Ou, como diria José Ortega y Gasset, o homem é ele e as suas circunstâncias: os seus genes e o destino que escolhe cumprir.
E se o homem é, intrinsecamente, pessoa dotada de dignidade e sujeito moral, não há porque definir esta dignidade na dependência de cumprir determinadas etapas biológicas do seu desenvolvimento: ou ele é no todo humano e digno ou não é, pois a capacidade de ser sujeito não é suscetível de verificação empírica.

Pondera Honnefelder que “se o status de pessoa corresponde a todo indivíduo da espécie humana, então se deve datar seu começo no momento em que o indivíduo começa a ser. Entretanto, o momento em que um indivíduo da espécie humana começa a ser é uma questão empírica. Isto é atestado pela moderna embriologia: com a formação de um novo genoma, mediante a fusão do núcleo de um óvulo com um espermatozóide começa um novo ser vivo, cujo desenvolvimento até a maturidade é determinado por seu próprio genoma. Então, supondo que as condições naturais o permitam, um ser humano, em sua forma madura, se desenvolve a partir do mesmo óvulo fertilizado.

Posto que todas as mudanças a serem observadas no desenvolvimento desse ser vivo constituem etapas de sua própria biografia, resulta arbitrária qualquer hipótese que pretenda que a índole de pessoa se circunscreva ao ser humano somente a partir de uma dessas etapas”. Daí porque nunca é demais reafirmar que a realidade humana não pode estar confinada ao seu desenvolvimento biológico, como se fora uma mera loteria genética realizada ao acaso. Os seres humanos são aqueles que possuem a forma desenvolvida do sujeito; um ser humano é pessoa e agente moral, possuidor de dignidade própria porque tem qualidades que são inerentes somente aos seres humanos e a mais nenhum outro ser vivo.
jdrugon@uol.com.br
* Publicado no Jornal Hoje em Dia – 17.03.2008

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